Bandeira de Aço pra sempre
- MA Cult
- 6 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de jul. de 2020
Álbum maranhense lançado pela Discos Marcus Pereira em 1978, segue inoxidável ao tempo.
Por Penha De Castro

Inoxidável: o disco resiste ao tempo com letras enigmáticas de César Teixeira, Josias Sobrinho e demais compositores
Há tempos que intento escrever sobre o lendário “Bandeira de Aço”, hoje reconhecido como Bem Cultural Imaterial do Maranhão, porém sempre esbarrei em um obstáculo, que me tirou a coragem, mas, não a motivação: a dificuldade em encontrar fontes bibliográficas e as letras enigmáticas de César Teixeira, Josias Sobrinho e demais compositores que somaram esforços e talento para construir uma obra dessa magnitude. Confesso humildemente que apanhei feio e continuo apanhando até hoje.
"Bandeira de Aço: a inexatidão do significado de seus versos, qualquer tentativa de interpretá-los, que não venha dos próprios autores, leva a infinitas variáveis e possibilidades".
Tive então uma conversa informal com o próprio César Teixeira, que entre outras coisas me revelou as entrelinhas e nuances contidas na letra de “A flor do mal”, a começar pelo titulo que é uma referencia ao livro “Les fleurs du mal” do Poeta francês Charles Baudelaire, lançado em 1857. Entendi que, uns dos trunfos que contribuíram para que o “Bandeira de Aço” se tornasse um clássico capaz de vencer o próprio tempo, foi a inexatidão do significado de seus versos, qualquer tentativa de interpretá-los, que não venha dos próprios autores, leva a infinitas variáveis e possibilidades. Na intenção de preservar a integridade destas metáforas e por razões óbvias, as quais não escondo, não me aprofundarei na interpretação dos versos contidos nessa obra.
Laboratório cultural
Uma chave para compreender o “Bandeira de Aço” é inseri-lo em seu momento histórico. Deste o início dos anos setenta, o casarão n.º 42, da Rua Jansen Muller, no centro de São Luis, respira música, teatro, poesia e todo tipo de manifestação popular produzida no Maranhão, sede do Laborarte – Laboratório e Expressões Artísticas, lá se iniciou o movimento que deu vida a MPM - Música Popular Maranhense, termo que tem merecido a recusa de muitos, por ser considerado um “Rótulo”, e que por isso mesmo confina a mesma a uma espécie de gueto, que torna a nossa música exótica ao resto do país. Defendo como melhor expressão “Música Popular Brasileira produzida no Maranhão”.
Viviam-se os anos de chumbo da ditadura militar, repressão e censura vindas de cima, e esperança e revolta vindas de baixo, luta de classes e por liberdade, e, limitação total ao direito de expressão. Desse caldo, surgem duas necessidades, a de se expressar e ser entendido pelo povo, mas, não pelos censores do governo, daí o uso excessivo de metáforas, e, a de união, criar movimentos, trabalhar juntos, somar as ideias e falar em uma só voz... A voz foi personificada através de Papete, músico maranhense com grande destaque na cena artística nacional, tendo trabalhado ao lado de estrelas como Toquinho e Rita Lee, e que mais tarde, foi eleito um dos três melhores percussionistas do mundo ao participar do Festival de Jazz de Montreux na Suíça.
Os compositores, Ronaldo Mota, Sérgio Habibe, Josias sobrinho e César Teixeira, estes dois últimos, são ícones da Música Popular Brasileira produzida no Maranhão, o conjunto da obra de ambos, sintetiza, o que foi produzido de melhor, no período de maior efervescência da música maranhense, no que diz respeito a Música Popular Brasileira e Regional.
O timbre é outro aspecto que faz de “Bandeira de Aço”, uma obra única e singular, arranjos melódicos de cordas e sopros, a percussão extraordinária do Papete, e um profundo mergulho na sonoridade das manifestações culturais do Maranhão, deram um tom magnífico ao álbum, referências profundas ao nosso consciente coletivo, que vibra ao som das matracas e dos pandeirões, recordando nossos momentos lúdicos no arraias juninos e a herança musical de nossos ancestrais.
Lirismo impecável
Versos enigmáticos, carregados de metáforas evasivas do tipo: “Depois de morrer na sombra da caranguejeira”, “A coruja piava no galho com a fome espetada no olho”; “Carne seca na janela, quando alguém olha pra ela pensa que lhe dão valor”, “Se ela soubesse da areia que eu como, ela nem perguntava, se ela soubesse do pó da sereia, ela nem se zangava, vento na cumeeira, nem dizia palavra...”; “que na subida da bandeira, pensou que tava no mundo e era fundo de quintal”, “Que é um boi de pasto carregando sela, fazendo vergonha pra ela e pra São João.” E ainda, “E quando os espíritos voltarem da guerra, encherei meus olhos com a mais suja terra e a mula rumo a Portugal, eu e minha bananeira, duas bandeiras do mal”, letras de um lirismo impecável, reforçando o status de referência poética, que rendeu a São Luis, o codinome de “Ilha do amor”, da poesia.
“Bandeira de aço” é sem dúvida, um monumento da música e da cultura popular do Maranhão, representa em síntese, o que há de mais puro e essencial no criar e no agir do povo maranhense, é um espelho de nossa alma coletiva, um instrumento, uma forma clara, objetiva, rica e lúdica de mostrar a nossa cara para o Brasil e para o mundo expondo o que temos de melhor.
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