Vagabunda - Revista de uma mulher só
- MA Cult
- 12 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
A circunstância da quarentena envolveu mais pessoas para o processo de montagem de novo espetáculo
O espetáculo A Vagabunda - Revista de uma mulher só... só que não, revela a grandeza feminina em nova montagem solo com a atriz, professora da UFMA e doutora em artes cênicas pela USP, Gisele Vasconcelos, com encenação de Nicolle Machado, com formação em Teatro pela UFMA e mestrado em Artes Cênicas pela UFU (Uberlândia - MG).

Mesmo com a grande cabeça que diz não, eu não tive medo e saltei nesta revista de uma mulher só (Foto: Silvana Mendes)
Sonhar e partir. Partir para o início
Tudo partiu de um sonho da Renata Figueiredo, atriz do grupo, que viu Gisele vestida ao estilo europeu do séc. passado; de uma carta de tarô, A Torre, mulheres que da torre precisaram se jogar; e do encontro com o livro A Vagabunda, de Gabrielle Colette, que fala de uma atriz de music hall que está recém separada, precisa ganhar seu próprio sustente e inicia a carreira de mimóloga e dançarina, tendo que escolher entre o amor ou a turnê. O romance da escritora francesa abre as cortinas para as vedetes do Teatro de Revista.
Revista impossível da Gigi, uma mulher que se revista, para ser (des)vista. Entrando na pele das vedetes, nas vidas das outras, das loucas, das bruxas, das artistas, deusas, monstros, filhas dos tempos... para não esquecer jamais, delas, dela, da estrela que não cabe numa mala, pois há infinitas estrelas na revista da mulher só.
A Carta da Torre "saltar e sangrar ou ficar e morrer" inspirou a poética. A Torre, foi destruída, vivemos em um caos, tudo que eu tinha planejado ficou impossível de se realizar, estamos saindo dos escombros. A leitura do romance de Colette inspirou o título da peça: A Vagabunda.
É certo que essa palavra nunca foi lançada como afago, então nós vamos à obra para reconstruí-la? Vestir a armadura e nunca ensurdecer ao apelo das que nos precederam. Faremos torres para nos enxergar, mas não hesitaremos em pular ao menor sinal de fogo. Vagabundas sim: e atentas, valentes, estrelas de nossas vidas.
A revista de uma mulher só é reunião difícil de convocar, porque são tantas desejando em nós que é até difícil de mostrar: Margarida, Virgínia, Mara, Araci, Norma, Josephine, Elvira, Rogéria, Dercy, Íris, Luz del Fuego, Ivaná, Carmem, o que querem, enfim? E o que há nessas mulheres para o mundo querer conter? Gigi, Camille, Colette, Renèe... saltar da torre e sangrar ou aceitar e morrer?
Por que desenterrar as mulheres que rasgaram seus tempos, que sob as luzes foram o amanhã? Por que convocar o fantasmático? Acreditamos que invocar a presença dessas mulheres, vedetes, artistas do início do séc. XX é como escutar as vozes póstumas que permanecem ativas e resistentes, como um chamado político.
"Para que eu pudesse ser tudo isso que sou, muitas mulheres artistas vieram antes de mim. Vamos falar na Vagabunda sobre essas mulheres que 'ficaram prontas cedo demais' e que lutaram muito para que eu pudesse hoje dizer 'sou uma artista e ganho o meu sustento com o meu trabalho'’. (Gisele Vasconcelos)

A revista de uma mulher só é reunião difícil de convocar, porque são tantas desejando em nós que é até difícil de mostrar. (Foto: Silvana Mendes)
A Vagabunda - Revista de uma mulher só... só que não
A montagem do espetáculo faz parte da pesquisa de pós doc que Gisele Vasconcelos desenvolve no PPGAC da UNIRIO. De setembro de 2019 a fevereiro de 2020 ela esteve no Rio de Janeiro, ministrando aulas na UNIRIO, realizando pesquisas em bibliotecas, acervos públicos e práticas em laboratórios cênicos. Em março inicia a montagem na sede do grupo Xama Teatro, em São José de Ribamar, e duas semanas depois vieram as medidas de prevenção e de isolamento para tentar minimizar os danos da pandemia da COVID-19.
Quando a pandemia obrigou a interromper os ensaios da peça, iniciados na primeira semana de março de 2020 com a atriz Gisele Vasconcelos e a encenadora Nicolle Machado, foi preciso rapidamente reorganizar um novo modo de criação.
"O medo de perder o que já tínhamos conquistado era grande, mas rápido o medo se transformou em coragem e a criação dramatúrgica foi iniciada de forma remota em processo de isolamento, por meio das redes sociais e aplicativos de reuniões." (Nicolle Machado)
O estado de quarentena, em vez de afastar a encenadora e a atriz, permitiu levar mais pessoas para o processo e, assim, elas se conectaram com o dramaturgo maranhense Igor Nascimento, a dramaturga argentina Nádia Ethel, a cantora e compositora Didã entre outras artistas e juntas encontraram um novo espetáculo. Isso só foi possível porque elas criaram um procedimento do encontro, uma forma de potencializar as ideias e colocar em xeque algumas referências que já tinham. Desde então, elas têm sido espectadoras de si mesmas e, para além, da cena, debatem semanalmente que teatro será esse, pós-pandêmico.
O mais importante, é que a equipe descobriu como essa sala virtual orientada por um procedimento de criação e como a sala de ensaio transformada em estúdio de gravação com tomadas ao vivo pode proporcionar a continuidade do processo de montagem e chamar ainda mais profissionais, priorizando a formação de uma equipe técnica com mais de 70% de artistas mulheres em suas diversas funções artísticas.
Resistência
O GRUPO XAMA TEATRO é um exemplo de resistência de teatro de grupo, com tradição de espetáculos de repertório. Tem sede em São José de Ribamar, é do Maranhão, do nordeste do Brasil, já circulou por todos os estados brasileiros e foi contemplado nos principais editais de fomento às artes cênicas do país, como Funarte Artes na Rua, Amazônia das Artes, Palco Giratório, Petrobrás Cultural e BASA Cultural.
Original de Catarse
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